Conheça as características principais dos sistemas de redução de emissões que equipam os motores a diesel atuais
Texto: Flávio Faria
Fotos: Alexandre Villela
Embora ainda existam nas ruas, ônibus e caminhões soltando fumaça preta nas cidades e estradas, felizmente, estão ficando no passado. Com legislações de restrição às emissões de poluentes cada vez mais rígidas, as montadoras e fabricantes de motores estão sempre em busca das últimas tecnologias para desenvolver propulsores que ofereçam o melhor conjunto de potência, economia e baixo nível de poluição.
No caso dos motores diesel, a evolução dos últimos 15 anos foi notável em todos os aspectos, tanto do lado da engenharia para redução das emissões quanto do próprio combustível, que desde 2006 tem chegado ao mercado brasileiro em versões com cada vez menos enxofre (o mais “limpo” da categoria no Brasil é o S-10, que traz na sua composição apenas 10 partes por milhão do elemento, muito abaixo dos 1.800 ppm do diesel de alguns anos atrás, que ainda é comercializado em algumas regiões).
A legislação brasileira, por meio do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) criou o Proconve em 1986, tendo como base as normas europeias (Euro). Atualmente, o programa chegou à sétima fase, chamada P7 (equivalente à Euro V), que determina que a tecnologia utilizada deve diminuir, além do enxofre, a emissão de outras substâncias e partículas poluentes em até 80%.
Para adaptar os motores às novas exigências, os fabricantes desenvolveram pelo menos dois diferentes sistemas de redução de poluentes: o EGR (Exhaust Gas Recirculation) e o SCR (Selective Catalytic Reduction). Ambos trabalham com o objetivo de reduzir a emissão de gases nocivos na atmosfera, mas funcionam de maneiras diferentes. Para entender melhor os dois sistemas, contamos com o apoio técnico do engenheiro de serviços sênior Rodrigo Fernando Laureano, da MWM Motores Diesel, produtora independente de motores diesel e fornecedora de algumas das maiores montadoras do segmento.
Confira como cada sistema trabalha durante o funcionamento do motor:
EGR – recirculação dos gases
Para atender aos níveis de emissões determinados pelo Proconve P7, o sistema EGR faz a recirculação de parte dos gases de exaustão (daí vem seu nome, “EGR”, sigla inglesa para “Exhaust Gas Recirculation”), o que significa que parte do gás que sai pelo coletor de escape é recirculado e misturado junto com ar da atmosfera admitido pelo motor entrando novamente em combustão. Esse processo, aliado à utilização de um catalisador de oxidação do diesel e um filtro para material particulado, faz com que o veículo atinja tanto os níveis exigidos de NOx (oxido de nitrogênio) quanto os de material particulado emitido para a atmosfera.
Como Funciona
Dependendo do regime de trabalho do motor, cerca de até 10% dos gases de escape são enviados para um “radiador de gases” chamado de resfriador do EGR. O resfriador compartilha o mesmo fluido de arrefecimento utilizado pelo motor. Os gases, menos quentes, então passam pela válvula EGR que funciona como uma borboleta, dosando a quantidade ideal de gases de escape que deve ser readmitida pelo motor.
Saída dos gases de escapamento para o sistema de recirculação
A tubulação inferior encaminha os gases para o resfriador. A superior é a entrada do líquido de arrefecimento compartilhado do motor
Resfriador dos gases de escape
A válvula termostática do arrefecimento fica estrategicamente no local mais quente do motor, que, no caso dos motores com sistema EGR, é na saída dos gases de escape do resfriador
Os gases resfriados vão até a válvula EGR que controla a entrada no coletor de admissão, onde serão misturados ao ar admitido para dentro do motor
A válvula EGR é controlada pelo módulo do motor, levando em consideração diversos fatores relacionados ao regime de trabalho e à carga a qual o motor está sendo submetido. Assim, evita ocorrência de mistura excessivamente pobre (afinal, o gás readmitido contém pouco oxigênio) e suas indesejadas consequências. Após passar pela válvula, os gases de escape se encontram com o ar atmosférico limpo dentro do coletor de admissão. Os gases resultantes da combustão, que vão para atmosfera, passam por um catalisador de oxidação de diesel chamado de DOC (Diesel Oxidation Catalyst). O DOC tem a função de aumentar a temperatura dos gases de escape a ponto de sublimar todo excesso de material particulado retido no filtro de partículas (DPF – Diesel Particulate Filter), que, em seguida, e é expelido na forma de gás pela secção final da tubulação de escape.
Essa fuligem acumulada no filtro de particulado pode ser regenerada passivamente quando os gases de escape atingem a temperatura mínima para sublimação; ou ativamente, quando, através de injeção secundária ou outros meios, a temperatura dos gases de escape é elevada até atingir o ponto de sublimação da fuligem.
O NOx se forma, principalmente, a partir da mistura rica de oxigênio e nitrogênio quando submetidos a altas temperaturas na câmara de combustão. Com temperaturas mais baixas na câmara (menos oxigênio), automaticamente os índices de formação NOx diminuem.
Filtro DOC – Diesel Oxidation Catalyst em conjunto com o DPF – Diesel Particulate Filter
Motor MWM Sprint 3.2 equipado com sistema EGR
Motor MWM Acteon 6.12 TCE equipado com sistema SCR
Uma vantagem do EGR é que ele é autossuficiente, isto é, não necessita de reagente químico adicional, gerando, a primeiro momento, menores custos ao proprietário, que periodicamente precisa apenas realizar a limpeza do filtro de partículas (DPF). Por outro lado, o sistema é geralmente mais sensível a combustíveis com maior teor de enxofre, de má qualidade ou adulterados.
Vale salientar que a válvula EGR é um componente sensível. Por isso, caso o veículo não seja abastecido com combustível de excelente qualidade e não houver manutenção adequada do motor, ela pode travar total ou parcialmente, impedindo que a correta quantidade de gases de escape seja recirculada, elevando os níveis de emissões ou fazendo o motor perder potência.
O sistema EGR utiliza o mesmo liquido de arrefecimento do motor para resfriar os gases de escape, elevando ainda mais a temperatura no liquido de arrefecimento. Por isso é necessário que o conjunto de cooling do motor seja muito bem dimensionado, a fi m de evitar superaquecimento do motor. A válvula termostática fica localizada na saída do resfriador do EGR, sendo este o ponto mais quente de saída do líquido de arrefecimento.
O sistema EGR exige maiores modificações no motor base quando comparado ao sistema SCR, que veremos a seguir.
SCR – pós-tratamento com injeção de Arla 32
Outra tecnologia disponível é o sistema SCR (redução seletiva catalítica – Selective Catalytic Reduction inglês), que reduz o óxido de nitrogênio (NOx) em nitrogênio diatômico (N2) + água (H2O) que são gases inertes para o meio ambiente. Sua principal característica é a utilização de um reagente químico para atender a legislação de emissões.
O reagente químico em questão é o Arla 32 (Agente Redutor Líquido Automotivo, também conhecido como AUS 32, DEF ou Adblue), que é adicionado a trajetória dos gases de escape. A solução é produzida à base de ureia técnica, ultrapura, que ao reagir com os gases de escape reduz os níveis de NOx. O produto não é tóxico, infl amável e nem nocivo à saúde ou ao meio ambiente. O número 32 é uma referência à quantidade de ureia na sua composição: 32,5%, diluída em água desmineralizada.
Como Funciona
O sistema SCR tem um funcionamento à primeira vista menos complexo que o EGR. A começar pela sua área de atuação, que se concentra somente direto na tubulação de escape, na saída da “carcaça quente” do turbocompressor. Segundo Rodrigo Laureano, os gases expelidos seguem normalmente pelo sistema, passam pelo sensor de temperatura do SCR e recebem, por meio de um bico injetor, a pulverização de Arla 32. Existem bicos injetores que pulverizam somente Arla 32 e existem bicos injetores que pulverizam Arla 32 + ar. O modelo em questão é controlado pela DCU via sinal PWM e injeta somente Arla 32.
Os gases de escape se misturam ao Arla 32 injetado e seguem para o catalisador, que tem a função de acelerar o processo de reação química entre os gases de escape e o Arla 32.
A quantidade do Arla 32 a ser injetada é controlada por uma central eletrônica dedicada chamada DCU (Dosing Control Unit). A DCU é responsável por controlar todo o sistema de pós-tratamento. Dentro da DCU existem diversos componentes que operacionalizam e viabilizam a dosagem de Arla 32. Internamente na DCU, o Arla 32 é sugado por uma bomba, passa por um filtro e então passa por um sensor de pressão de Arla 32.
De lá, segue direto para o bico injetor de Arla 32 por meio de tubulações externas. Todo o sistema é controlado pelo módulo dedicado da DCU, que se comunica com o módulo do motor. O sensor de temperatura de gases de escape está localizado pouco antes do injetor de Arla 32, acoplado diretamente à tubulação de escape. O objetivo é medir a temperatura dos gases expelidos para que a DCU calcule a quantidade necessária de Arla 32 para que que a reação química ocorra satisfatoriamente.
Sensor de temperatura do SCR fica no coletor de escape
DCU – Dosing Control Unit, responsável pela dosagem de Arla 32
Bomba de Arla 32
Sensor de pressão de Arla 32
A lógica é simples: quanto maior a temperatura dos gases de escape, mais eficiente será a reação química, demandando assim uma menor quantidade de Arla 32. Por outro lado, se a temperatura dos gases do escape estiver mais baixa, a reação química será menos eficiente, sendo necessário uma maior injeção de Arla 32.
Filtro de Arla 32
Central do SCR, localizada na parte externa da DCU
Ao final do processo de redução catalítica, o gás expelido passa pelo sensor de NOx que somente mede o nível de NOx que está sendo emitido. O sensor de NOx tem função somente de informar a quantidade de NOx emitido e não de controlar a quantidade de Arla que está sendo injetado.
Laureano explica que, ao contrário do que muitos pensam, o Arla 32 jamais deve ser misturado com o Diesel, por isso possui um tanque independente que deve ser reabastecido conforme a necessidade. “Caso o Arla seja misturado ao Diesel, haverá avarias no sistema de injeção de óleo diesel do motor”, informa o especialista da MWM. Para evitar enganos na hora de abastecer, o bocal do tanque de Arla 32 tem diâmetro menor que o de Diesel.
Geralmente, o consumo de Arla 32 em relação ao de diesel fica entre 4% e 7% do consumo de Diesel, ou seja, para cada 100 litros de Diesel, serão utilizados entre 4 e 7 litros de Arla 32, aproximadamente. O motorista é avisado por meio de indicador de nível específico e luz de advertência no painel quando o nível de Arla 32 fica baixo.
O bico injetor de Arla 32 deste motor é controlado por um pulso com modulação (PWM)
Os motores equipados com sistema de pós-tratamento SCR são reconhecidos pela sua robustez e maior tolerância quanto à qualidade do óleo Diesel, além de não sobrecarregarem o sistema de arrefecimento do motor. A maior simplicidade de manutenção comparada ao sistema EGR é outro ponto a ser considerado, uma vez que não é necessária nenhuma modificação mecânica no motor base.
Diferentes aplicações
As duas tecnologias têm seus prós e contras, explica Rodrigo Laureano. “Em geral, o sistema EGR tem mais ampla utilização em veículos de porte pequeno e médio, enquanto temos visto o SCR com maior aplicação nos modelos pesados e extrapesados, porém, isso não é uma regra, mas apenas uma tendência”, afirma. “Ao objetivo que se propõem, ambas as tecnologias cumprem com sucesso o seu papel”.
Para um futuro próximo, as normas brasileiras de emissão ficarão cada vez mais rígidas, exigindo um esforço ainda maior dos engenheiros para encontrarem a melhor solução, tanto para o meio ambiente quanto para o bolso do caminhoneiro. E pode ser que não seja uma escolha apenas entre EGR ou SCR, mas outras opções podem surgir. “Inclusive, na Europa já existem modelos de motores que usam um sistema duplo combinando as propriedades de recirculação dos gases, como o EGR, mais o sistema de injeção de Arla 32 como o SCR para fazer o tratamento dos gases de escape e garantir o nível de emissões”, conta Laureano.
Qual será o futuro dos motores diesel? Até onde chegaremos? Só o tempo dirá!
Sensor de NOx fi ca na saída do catalisador
Tanque de Arla 32